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Crônica

VAMOS CHICO TOMAR CAFÉ

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Não me peçam para escrever o que quer seja. Não sou desses escribas que escrevem por encomenda. Escrevo o que quero e quando quero, sou senhor supremo de minhas narrativas.

Saibam vocês que a inspiração é uma rainha sem castelo, que anda livre, leve solta pelas vastas campinas do Berço do Madeira. Como sempre dizia minha mãe, você pediria sangue à barata? Impossível, barata não tem sangue, seu interior é revestido por uma gosma preguenta e amarelada.
É assim que me sinto quando me pedem para escrever, sem sangue.
Falando em sangue, vocês gostam de sangue? Então, vamos lá vampiros do Berço do Madeira.
Marcolino era marreteiro, chegou no auge da fofoca no garimpo do Periquitos. Por lá ficou poucos dias, enfadado com o barulho infernal dos mais de dez mil garimpeiros que disputavam palmo a palmo as cristas dos barrancos e as águas do Madeira, em busca do metal precioso. Naquele lugar, era matar ou morrer, pensou Marcolino, achou melhor não correr o risco.
Nem de matar e muito menos morrer, sem antes voltar ao Maranhão onde deixou a esposa com dois bacorinhos barrigudos e remelentos.
Recolheu o pouco que trouxera e seguiu para Vila Nova, na carroceria do primeiro caminhão que encontrara na BR-425. Mirrado, quase um Zé Ninguém, Marcolino sentiu na própria pele que não tinha tutano para disputar com os garimpeiros o que quer que fosse, muito menos as poucas mulheres que enfeitavam a fofoca.
Um pouco do sonho de ficar rico que o acompanhou desde Bacabal, ficou enterrado na ribanceira do Madeira.
O caminhão estacionou no centro de Vila Nova, nas proximidades do Bar e Mercearia Novo Progresso. Marcolino desceu, pagou o que devia ao motorista do caminhão e marchou em direção ao bar.
Foi recebido pelo proprietário que lhe serviu uma robusta dose de conhaque São João da Barra, enquanto lhe indicava a pensão do Manoel Cândido, que ficava um pouco mais abaixo, quase saindo do povoado, em direção ao garimpo.
Antes de encaminhar-se para a pensão, Marcolino perambulou um pouco pelo povoado, sem nenhum propósito, enquanto aguardava o anoitecer, que não tardou a chegar, envolto numa penumbra morna e empoeirada.
Era mês de agosto, mês de cachorro louco.
Da Casa dos Malandros, Marcolino observava o entra e sai na pensão do Manoel Cândido. Levantou-se, pegou seus quase nada e caminhou lentamente em direção à pensão, sem perceber que estava sendo observado desde o momento que descera do caminhão no centro do povoado.
Era noite de lua cheia, noite de lobisomem.
Entrou, tomou assento e pediu um prato de sopa e uma dose de conhaque. Enquanto comia, fora informado pela mocinha que o atendia que a pensão estava cheia e no povoado, aquela era a única.
Diante da inesperada informação, Marcolino pensou consigo mesmo enquanto tomava o resto da sopa, “agora tô num mato sem cachorro”. Não conhecia uma vivalma naquele fim de mundo, e momentaneamente ficou quieto, sentindo o leve digerir da sopa.
Lembrou-se dos bancos e dos tamboretes da Casa dos Malandros. Tomou outro conhaque e caminhou de volta para lá.
Com um único vão e coberta de palha, a casa ficava na praça da matriz, um pouco à direita da igreja, com seus tijolos nus e o São Francisco de Assis no alto da Torre com os braços abertos abençoando o povoado e a matilha de cães que se aninhava aos pés da torre.
O marreteiro percebendo que não havia outro jeito, escolheu o banco mais largo e reforçado e espichou-se. Ficou observando as estrelas por entre as palhas da cobertura da casa. e não percebeu quando a mão direita do Santo lançou seu manto protetor sobre a casa, instantaneamente, veio-lhe um sono tranquilo e reparador.
Era sempre assim, após o desligamento do motor gerador de energia, por volta das vinte horas, um alarido de cães e gatos recobria o povoado. Todas as criaturas noturnas se agigantavam e se infiltravam pelos desvãos, becos e ruelas a perturbarem o sono dos aflitivos moradores.
Naquela noite em que Marcolino adormecia tranquilamente sob a proteção de São Francisco, o alarido foi ensurdecedor, era mês de agosto e noite de lua cheia, figuras misteriosas e tenebrosas se remexiam em suas tocas, salivando e farejando cheiro de sangue.
Foi uma noite assombrosa, as pessoas não conseguiram dormir, o calor e a poeira insuportáveis do mês de agosto se misturavam com a fumaça morna soprada das queimadas, e envolvia o povoado deixando-o com um aspecto fúnebre e misterioso.
Tosses secas e abafadas se misturavam aos cantos dos galos e ao uivo pavoroso de uma criatura embevecida pelo clarão da lua. Marcolino dormia indiferente ao clamor das pessoas e ao perigo que se aproximava calma e sorrateira da Casa do Malandros.
A lua lançou seus últimos clarões sobre o povoado. A escuridão desceu mansamente seu manto deixando as criaturas mais enlouquecidas ainda. A sinfonia de uivos e latidos, contrastava com o sono tranquilo da matilha que se aninhara aos pés da torre de São Francisco.
Sentindo os efeitos dos últimos raios do luar sobre corpo cabeludo, a criatura uivou loucamente e saiu em disparada em direção ao povoado. Dentro das casas cessaram todos os gemidos, tosses, pigarros e um silêncio sepulcral envolveu o Berço do Madeira.
A criatura em fúria e esfomeada subiu a praça e correu em direção à Casa dos Malandros, onde Marcolino dormia tranquilo. Com as órbitas esbugalhada e rosnando alto, a criatura saltou bruscamente sobre o marreteiro.
A fera embarrou violentamente contra o manto de São Francisco e caiu sobre a matilha que dormia ao pé da torre. Os cães, engalfinharam-se bravamente com a criatura que estrebuchava, sem conseguia alcançar e ferir nenhum deles.
Os cães a expulsaram em direção ao garimpo dos Periquitos, e nunca mais foram vistos, nem a criatura, nem os cães, amarronzados como a túnica de São Francisco de Assis.
Marcolino foi acordado logo cedo pelos ganidos de um filhote embaixo do banco, em que adormecera. O acariciou, colocou no colo o cachorrinho de pele amarronzada com uma mancha cor de sangue embaixo do pescoço e seguiu para a pensão.
Vamos Chico tomar café.

Simon O. dos Santos – Cronista

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Crônica

DA CIBRAZEM À PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO

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Parceleiro! Caríssimos leitores e caríssimas leitoras, sabem o significado dessa palavra? Desconfio que poucos de vocês sabem.

Bom! Arrisco afirmar que apenas três beradeiros do Berço do Madeira sabem: Zé Brasileiro, Tequinho e Felix, esses três mosqueteiros sabem, porque foram testemunhas inconteste do período em que o parceleiro (semeador de esperança) foi o agente propulsor dos primórdios da produção agrícola no Berço do Madeira, durante as décadas de 1970 e 1980.

Estes semeadores de esperança chegaram no Berço do Madeira na esteira de uma política nacional instrumentalizada pelo INCRA, a partir de 13 de agosto de 1971, quando é instalado o Projeto Integrado de Colonização Sidney Girão, e efetivamente implantado em abril de 1972.

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Devo dizer-lhes que tantas informações, necessárias, diga-se de passagem, retiram a leveza e a graça dessa crônica.

Mas, leitores e leitoras, vocês já viram a graça que está ficando a Praça de Alimentação no centro da cidade do Berço do Madeira?

Pois é leitores e leitoras, a Praça de Alimentação que deve ser inaugurada em breve, fala diretamente ao período mencionado no início dessa crônica. Sua construção é inconteste, um elogio ao parceleiro, um desbravador de fronteiras.

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Homi! Não misture “alhos com bugalhos”, vá direto ao ponto, crônicas longas são enfadonhas.

Pois bem, avexado leitor e avexada leitora! Há 47 anos, precisamente no dia 21 de agosto de 1977, a ASTER, responsável pela assistência técnica aos parceleiros, instalou uma unidade da Cibrazem (Companhia Brasileira de Armazenamento), exatamente neste local onde está instalada a graciosa Praça de Alimentação, repito, deve ser inaugurada em breve!

E então, a Cibrazem atuava no fomento à produção agrícola, abastecimento e armazenagem. Vejam caros leitores e caras leitoras, boa parte da produção agrícola dos parceleiros assentados pelo INCRA no Berço do Madeira, era armazenada na Cibrazem, para ser comercializada na entressafra, bem como servir de estoque público, para proteger justamente o parceleiro dos riscos provocados pelos imprevistos da atividade agrícola, e para alimentar a própria população do distrito.

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Arre! Mais informações que encharcam essa crônica. Necessárias caro leitor, cara leitora, necessárias!

Mas, vamos encerrá-la com louvor, com apreço e com a constatação que a graciosa Praça de Alimentação consolida uma corajosa trajetória que vem desde os parceleiros, com o sagrado ofício de produzir e compartilhar o pão nosso de cada dia.

É um reconhecimento nobre, devo dizer, sem pieguice. A Administração Municipal foi assertiva, ao ligar os pontos descapados da História e nos brindar com um belíssimo espaço público carregado de história e de sentimentos.

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Obrigado leitor, obrigado leitora, vocês foram meus parceleiros e minhas parceleiras na construção dessa crônica.

 

Simon O. dos Santos – Cronista

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Crônica

MINHA MÃE FOI REGENTE DE UMA BELA E SILENCIOSA SINFONIA

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Senhora safira Oliveira dos Santos mãe do nosso cronista

O galo cantou no poleiro em estilo ripado que ficava ao lado esquerdo da nossa casa. Do outro lado, empoleirado no galho mais alto de uma cabaceira, seu oponente respondeu em um acorde um pouco mais alto, demonstrando quem mandava de fato e de direito no terreiro.

Não se importando com a rivalidade das cantorias galináceas, a manhã se avizinhava envolta na cerração fria e opaca, molhando a poeira que revestia o telhado cinza da nossa casa.

Antes do sol apagar a cerração matinal, minha mãe já estava de pé na soleira da porta da cozinha. Com a elegância de uma porta-bandeira em desfile de carnaval, ela descortinava solenemente o resto da manhã, lançando em aspiral a vasilha de milho, apaziguando os cantores no terreiro e chamando as aves para o banquete matinal.

No curral, seguia-se outro ritual, nobre e belo, igual. O leite batia no fundo do balde de alumínio, resvalava e formava uma espuma parecendo claras de ovo batidas com açúcar. Cada teta puxada alternadamente, provocava um chiado que ricocheteava pelo curral, tal qual o badalar do sino da Igreja de Santa Terezinha em Vila Murtinho, ecoando pelo Berço do Madeira.

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O chiado provocado pelo atrito entre o leite e o alumínio do balde deixava as vacas imersas em um transe que amolecia ainda mais as suas glândulas mamárias fazendo jorrar ainda mais leite, até esborrar pelas beiradas do balde e tingir de branco as botas sete léguas da minha mãe.

No chiqueiro, seguia-se mais uma harmoniosa composição da grande sinfonia matinal. A porca parideira com seus filhotes baés, mastigava a macaxeira cortada em pedaços uniformes, enquanto o barrão se fartava da lavagem servida no cocho feito de pneu cortado caprichosamente ao meio.

O capado roliço, sempre esfomeado e barulhento ficava em baia separada dos demais suínos e se alimentava de cuim e do soro que resultava do fabrico do queijo. O capado que um dia seria torresmo, se achava um privilegiado e jamais desconfiou do cocho cheio o dia inteiro, “quando a esmola é grande até o santo desconfia”.

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Nas proximidades do jirau, ficavam dois cochos arredondados de ferro, onde minha mãe servia coalhada ou as sobras do nosso jantar para os dois cães “ Ferralho” e “ Preguiça”. De todos os animais da grande sinfonia de minha mãe, o gato “Faro-Fino”, enorme, preto com uma mancha branca no peito, era o mais exigente, não se contentando com migalhas, exigia um quinhão mais apetitoso, de preferência, leite fresco em um pires limpo de cor branca, com pequenas flores beges nas bordas.

A pequena e produtiva horta de minha mãe era uma Floresta Amazônica em miniatura. A compostagem formada por uma rica mistura de esterco das leiteiras, cinzas do fogão a lenha e madeira apodrecida, deixava a cebolinha, o coentro, a couve, a alface, os tomates e os pepinos com a consistência aveludada e cores de um verde vivo e brilhante como casca de abacate.

Minha mãe era uma regente de uma orquestra afinadíssima e alegre. Ela nunca nos falou, mas acredito que seu mantra silencioso e contínuo era “quem planta e cria, só tem alegria”.

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Ao anoitecer, com a lamparina na mão, minha mãe passava silenciosamente em revista todo o seu quintal já adormecido, depois caminhava até o galinheiro e separava o frango que alimentaria a família no dia seguinte.

Minha mãe, a sua bela e silenciosa sinfonia desafinou: o galo ficou mudo, as leiteiras ficaram estéreis e a sua horta murchou. “Na parede da memória, a sua lembrança é o quadro que dói mais”.

 

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Simon O. dos Santos – Cronista

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Crônica

Para transformar é preciso conhecer Por Aluizio da Silva

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Para transformar algo, o primeiro passo é conhecer. A premissa sintetiza o espírito visionário deste guajaramirense que já há décadas tem dedicado toda a sua inteligência e energia, a buscar o futuro e a trabalhar arduamente para construí-lo.

Cidadão consciente de seu papel na sociedade guajaramirense, Fábio Garcia de Oliveira, o Netinho, se fez professor e político sempre com os pés no chão e o olhar no amanhã.
Eleito vereador, ocupou a Presidência da Câmara Municipal de Guajará-Mirim onde desenvolveu uma atuação responsável e eficiente na vida pública. Hoje, pré-candidato a prefeito de sua cidade natal, busca apoio de outros líderes políticos para sedimentar suas ideias e, junto a outras forças políticas, irmanadas e com o objetivo comum de mudar Guajará-Mirim para melhor, implantar ações governamentais que tragam novos horizontes e novas esperanças para este que é o segundo mais antigo municipio de Rondonia e o de maior valor histórico nestas plagas da Amazónia Brasileira.
Ele quer envolver toda a sociedade guajaramirense para efetuar mudanças significativas no modelo de administração pública, de tal forma que tenha como meta principal o ser humano. E ele entende que essas mudanças podem vir pela educação, afinal, a escola liberta as pessoas.
Netinho é um homem com elevado espírito público, um inovador que, apesar de jovem, sempre busca qualificar para transformar.

*Aluizio da Silva
É Administrador e Jornalista.
Membro-Fundador da Academia Guajaramirense de Letras (AGL)
Filho de Guajará-Mirim e servidor público estadual aposentado.

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